Prescrição intercorrente no Processo Administrativo Fiscal
O Processo Administrativo Fiscal tem por objetivo cumprir a lei, Helly Lopes Meirelles esclarece:
“O conceito de processo administrativo tributário compreende todos os procedimentos fiscais próprios, ou seja, a atividade de controle (processo de lançamento e de consulta), de outorga (processo de isenção) e de punição (processos por infração fiscal), além dos processos impróprios, que são as simples autuações de expedientes que tramitam pelos órgãos tributantes e repartições arrecadadoras para notificação do contribuinte, cadastramento e outros atos complementares de interesse do Fisco.” (MEIRELLES, 39ª Ed, 2013).
Sabe-se que entre os tributos, temos a Taxa cobrada em decorrência do Poder de Polícia do Estado. Tal tributo, taxa de polícia, é declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, o processo administrativo referente ao lançamento de taxa de polícia deve ter por objetivo solucionar os conflitos de interesse entre o Estado e o sujeito passivo do tributo. Logo, a função do Processo Administrativo Fiscal é solucionar uma lide entre a própria Administração Pública e um particular, na qual há divergência quanto à aplicação e/ou interpretação de uma norma de natureza tributária.
A demora na tramitação dos processos administrativos, no âmbito de todo o Poder Público é uma realidade a ser observada. O número de processos referentes à cobrança de Taxas não pagas é imenso, e o Estado conta com poucos servidores na área de arrecadação de créditos tributários.
Nesse cenário devemos observar, prioritariamente, dois prazos, quais sejam, o decadencial e o prescricional.
Decadência
É a perda do direito da Administração Pública constituir crédito tributário. Dispõe o Código Tributário Nacional, em seu art. 173, I, que a Administração terá o prazo de 5 anos, a contar do primeiro dia do exercício seguinte ao que o lançamento poderia se dar, para constituir créditos tributários. Assim, o prazo decadencial de créditos tributários de taxas de polícia, sujeitos a lançamentos por homologação, não leva em conta o dia do vencimento para pagamento, mas sim o ano de exercício seguinte ao que ele poderia ser cobrado. Realizado o lançamento do crédito tributário e emitida a notificação ao contribuinte dentro do prazo assinalado, não mais que se falar em decadência do tributo.
É errônea a interpretação de que tendo, por exemplo, um determinado lançamento ocorrido no dia 01/06/2023 seriam contados para trás 5 anos e que créditos anteriores a 01/06/2018 não poderiam ser constituídos. Quando se trata de tributo lançado por homologação algumas questões de grande relevo se impõem, tais como analisar diferentes prazos de decadência quando o contribuinte não tenha recolhido nenhuma soma.
Nos créditos tributários sujeitos ao lançamento por homologação, caberá à Administração homologar ou não determinado pagamento. Não havendo pagamento, não há o que se homologar, devendo por conseguinte ser utilizada a regra do lançamento de ofício, art. 173, I, do CTN.
Porém, a regra decadencial será diferente em casos que o contribuinte realizar pagamento a título, mas em desacordo com o valor devido.
Prescrição
É a perda do direito subjetivo de ajuizamento de ação de execução fiscal. O prazo prescricional inicia-se após a constituição definitiva do crédito tributário, cabe esclarecer que com o lançamento o crédito está constituído, mas não definitivamente constituído. Após o lançamento de ofício o prazo prescricional começará:
- Caso o contribuinte apresente impugnação/recurso ao lançamento – Após o julgamento definitivo em âmbito administrativo. Conforme art. 151, III, CTN, apresentado recurso estará suspenso a exigibilidade do tributo.
- Caso o contribuinte não apresente impugnação/recurso – ocorrerá a revelia automaticamente após o prazo de 30 dias, contados da notificação do lançamento, sem que seja apresentada defesa – o prazo prescricional inicia-se no 31º dia.
- Em casos de parcelamento estará suspensa a exigibilidade do crédito tributário, conforme 151, VI, do CTN. Assim, ao confessar a dívida o crédito estará definitivamente constituído, porém o prazo prescricional estará suspenso, Caso o contribuinte pare de pagar as parcelas, o parcelamento será rescindindo, voltando a correr o prazo prescricional.
Depreende-se que ao receber impugnação ao lançamento de determinada taxa de polícia, não correrá para a Administração nem prazo decadencial, pois o tributo foi lançado dentro do prazo, nem prazo prescricional, pois este só se inicia após o julgamento definitivo da defesa apresentada, ou seja, com a constituição definitiva do crédito tributário.
Desta forma, o lapso temporal entre o lançamento e a notificação do sujeito passivo da exação não é decadencial, tampouco prescricional, configurando nos dizeres do Supremo Tribunal Federal um hiato. Esse ponto confunde diversos advogados que não tem a expertise quanto ao tema.
O que pode trazer dúvidas na instrução de Processos Administrativos Fiscais é o instituto da prescrição intercorrente, que, nas palavras de Ernesto José Toniolo
“é a situação em que a prescrição anteriormente interrompida, geralmente pela citação, volta a correr no curso do processo diante do sobrestamento dos autos” (2010, p. 102).
A emenda constitucional nº 45/2004, inseriu à Constituição Federal, com status de garantia fundamental, a duração razoável dos processos, tanto judiciais como administrativos.
“Art. 5º (...)
LXXVIII. A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (BRASIL, Constituição Federal, 1988)
Prevê o Decreto nº 70.235/72:
“Art. 4º Salvo disposição em contrário, o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias.”
A Lei nº 11.457/07 estabeleceu, em seu artigo 24, o prazo máximo para decisões administrativas como sendo de 360 dias, contados a partir da apresentação de recurso administrativo.
Porém, no âmbito do processo administrativo fiscal, a prática de ato fora dos prazos estipulados não gera nulidade, pois tratam-se de prazos impróprios.
O instituto da prescrição intercorrente, no que diz respeito ao Direito Tributário, é voltado aos processos de Execução Fiscal, não se aplicando ao PAF. A prescrição intercorrente é caracterizada pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo executivo. É fenômeno endoprocessual.
Ultrapassada a fase de propositura da ação fiscal com o despacho do juiz que ordena a citação (nos termos dos artigos 8º, parágrafo 2º da LEF e 174, parágrafo único, inciso I do CTN com a redação da Lei Complementar 118/2005), afastando a prescrição tributária em si, este interrompe a prescrição, iniciando, somente então, o suposto prazo quinquenal de uma provável prescrição intercorrente, caso haja inércia continuada e ininterrupta da Fazenda.
A maioria da doutrina e jurisprudência, defendem que enquanto a decisão em Processo Administrativo Fiscal não houver sido prolatada de forma definitiva, o débito decorrente deste, permanece suspenso, não se podendo falar em qualquer tipo de prescrição.
Nas palavras de Leandro Paulsen, René Bergmann Ávila e Ingrid Schroder Sliwka, referências na área do Direito Processual Tributário:
“A jurisprudência predominante é no sentido de que não há prazo para conclusão do processo administrativo fiscal ao argumento de que a lei complementar de normas gerais em matéria tributária não estabelece prazo específico para tanto (prazo de perempção), além do que, lançado o crédito, não se fala mais em decadência e, de outro lado, o prazo prescricional só tem início com a constituição definitiva do crédito, o que ocorre ao final do processo administrativo fiscal.” (PAULSEN e outros, 2014, p. 18). (grifo).
Também não se pode aplicar por analogia extensiva o disposto no §1º, do art. 1º, da Lei nº 9.873/99 ao processo administrativo fiscal, pois a matéria tributária depende de legislação específica, Lei Complementar.
A prescrição intercorrente ocorre quando o prazo prescricional foi suspenso, e devido a imensa mora em ser julgado a lide, o prazo prescricional deve voltar a correr. Mas, como já foi exposto, no PAF sequer pode-se falar com prazo prescricional suspenso.
O prazo prescricional referente a cobranças de créditos tributários somente será suspenso nos casos de parcelamento de dívida, ou após a citação do contribuinte em ação de execução fiscal, promovida pela PGF.
Nesse sentido dispõe o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais -CARF:
“Súmula CARF nº 11: Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.” (Acórdão nº 103-21113, de 05/12/2002 Acórdão nº 104-19410, de 12/06/2003 Acórdão nº 104-19980, de 13/05/2004 Acórdão nº 105-15025, de 13/04/2005 Acórdão nº 107-07733, de 11/08/2004 Acórdão nº 202-07929, de 22/08/1995 Acórdão nº 203-02815, de 23/10/1996 Acórdão nº 203-04404, de 11/10/1997 Acórdão nº 201-73615, de 24/02/2000 Acórdão nº 201-76985, de 11/06/2003). (grifo).
Esse entendimento surge, também, da manifestação dos Conselhos de Contribuintes, órgãos de deliberação coletiva do Poder Executivo, com a participação paritária de servidores públicos e representantes das classes produtoras, com a competência de apreciar e julgar os recursos administrativos interpostos pelos contribuintes, que versem matérias relativas a exigências tributárias.
“Súmula 1ºCC nº 11: Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.”
“Súmula 2º CC nº 7: Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.”
Concluísse que, por exigir a constituição definitiva do crédito tributário, não há como vislumbrar a possibilidade de uma prescrição, quiçá intercorrente, no âmbito do processo administrativo fiscal, posicionamento defendido por doutrina majoritária, pautada em precedentes do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e do Conselho de Contribuintes.
Dr. Leandro Garcia
Advogado e Sócio Fundador do escritório Garcia & Xavier Advogados